segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

CILELIJ - Santiago do Chile - 2010

Ontem fez um ano que um terremoto de força 8.8 na escala Richter se abateu sobre o Chile.  Eu estava lá, mas não consigo colocar em palavras tudo o que vivi e senti.  No ano passado, uma amiga mexicana propôs que eu escrevesse uma crônica sobre o Congresso de Literatura Infantil e Juvenil que me levou ao Chile.  Escrevi, guardei e nunca mais olhei para ela.  Até ontem.  Hoje eu gostaria de compartilhar minha experiência aqui.

Nosotros, los de entonces, ya no somos los mismos ~ Pablo Neruda

Mal conseguia conter meu entusiasmo quando subi o primeiro degrau da entrada do Museu Nacional de Belas Artes de Santiago do Chile. Ali, naquela noite de 24 de fevereiro, se realizaria o coquetel de inauguração do Primeiro Congresso Iberoamericano de Lingua e Literatura Infanto-Juvenil - CILELIJ. Pelo hall de entrada do Museu podia-se ouvir o burburinho das conversas animadas. Um traço de expectativa pelo que ainda ia acontecer marcava todas essas conversas. O ar estava cheio de animação e entusiasmo. E sorrisos estampados nos rostos das pessoas espalhadas pelo salão – sorrisos de boas vindas das recepcionistas à porta que nos convidavam a entrar, sorrisos de colegas que se encontravam para um evento fora do local de trabalho, sorrisos de pessoas que acabavam de se conhecer.

Me sentia absolutamente extasiada com a possibilidade de ver de perto autores e estudiosos que eu só conhecia dos livros. Era um sentimento meio “tiete”, mas ali estariam “ao vivo” pessoas que me divertiram, ensinaram, comoveram e acompanharam por toda a infância, juventude e, como não?, também na idade adulta. Nomes como Ângela Lago, Lygia Bojunga Nunes e Ana Maria Machado saltaram das capas dos livros e viraram pessoas como eu, de carne e osso. E ali me contavam novas histórias - histórias de cidadania, histórias da importância da leitura na vida das pessoas e sobretudo histórias de paixão pela literatura.

A cada sessão me surpreendia com nova enxurrada de informação e ideias. Ao mesmo tempo que aprendia, me dava conta de que tudo o que eu ouvia vinha simplesmente confirmar minhas convicções e minha visão de professora, de como a literatura infantil deve ser usada em sala de aula... e mais além. A leitura tem poder transformador e ainda que os livros permaneçam em seus lugares, nas estantes e prateleiras de bibliotecas e salas, as histórias que trazem consigo ultrapassam barreiras de paredes e muros. As histórias se tornam parte de cada um que entra em contato com elas – basta haver um encontro.

Foram vários os encontros que tive com pessoas de talento enorme que escolheram como carreira o comprometimento de levar a literatura a todos os cantinhos dessa nossa América tão Latina. São milhares as iniciativas de promover a leitura por nossos países, iniciativas públicas ou privadas, que são levadas adiante por braços fortes e corações valentes. Ouvir falar sobre Lectura Viva e Fundalectura na Colombia, sobre o Plano Nacional do Livro e da Leitura no Brasil e sobre as ações do Consejo Puebla de Lectura no México me fez perceber que temos muito o que aprender uns com os outros. Temos caras idênticas, apesar de sermos intrinsicamente diferentes. Boas ideias abundam. Me pergunto se não é possível fazê-las chegar a outros lugares além de seus berços de origem.

A programação do congresso era intensa e não havia espaço para folgas. Assim que, entre ponencias e falas, entre conversas na fila do banheiro ou tomando um café, fui sendo apresentada à literatura infanto-juvenil iberoamericana. Minha ignorância (no sentido mais literal da palavra: falta de saber, ausência de conhecimento) foi diminuindo pouco à pouco, sessão à sessão. Ao cabo de dois dias já me perguntava como era possível que nunca tivesse lido Papelucho de Marcela Paz. Panoramas e correntes se descortinaram perante meus olhos. O cenário do mundo da LIJ se transformava em conhecimento até que na madrugada do meu quarto dia em Santiago a surpresa da natureza foi maior que tudo o que já tinha ouvido até então.

Acordei com um rugido alto e insistente, um barulho de trovão de origem equivocada. Como podia ser que aquele estrondo viesse do chão? Quando a palavra terremoto se formou em minha cabeça, saltei da cama para fora do apartamento. Quando dei por mim já estava de pé no meio da rua, descalço e de pijama. Só. Tudo se movia, a rua, a calçada, os prédios à minha frente, os prédios às minhas costas. Eu sozinha, no meio da rua, observando como o mundo todo parecia feito de borracha, gelatina molenga que treme quando a gente apoia a tigela nalgum lugar. Não sabia se era alucinação, se estava ficando louca. Só o barulho me acompanhava, a trovoada incessante, os alarmes disparados dos carros e um cabo de eletricidade que estourou no fim da rua.

Às 10:00 da manhã, me achando refeita do susto, fui em companhia de minhas colegas de congresso procurar saber o que estava acontecendo com os outros participantes. Estava certa de me deparar com um cartaz de ‘cancelado’ na porta do museu onde se realizavam as palestras. Me deparei foi com as escadarias do museu cobertas de entulho, o edifício isolado por uma fita preta e amarela. Lembrei-me da foto que o grupo tinha tirado na véspera, naquelas mesmas escadarias. Minha total inexperiência telúrica me deixou totalmente sem chão. Não conseguia alcançar a totalidade do que estava acontecendo.

Não havia placa de cancelado diante do museu. Havia sim membros da organização que estavam ali desde cedo, para recepcionar àqueles que não estavam hospedados nos hoteis onde estava a maioria dos participantes. Nos receberam com vozes calmas e olhares suaves. “Sim, sim, foi triste, sim, sim, muito assustador, não, não, nada de grave conosco, felizmente estamos bem. Mas olhem bem, estamos reunindo a todos no hotel São Francisco. Ali receberão mais informações. Aqui está a van que vai levá-los até lá.” Seguimos atordoados até o hotel, onde um grupo grande já se sentava para ouvir o que os organizadores tinham a dizer.

Foi lamentando perdas, muitas perdas, que se interrompeu o CILELIJ. Tentamos seguir trocando ideias, ouvindo falas apressadas e leituras engasgadas daqueles que deveriam se apresentar naquele sábado. Queríamos estar juntos, mas tinhamos o coração embotado e as lágrimas insistiam em escapulir. O congresso foi encerrado assim, com muito pesar.

Muitos de nós ainda ficaram vários dias no Chile, esperando que se reestabelecesse o funcionamento do aeroporto. Só muitos dias depois de voltar para casa é que fui olhar o programa incompleto do congresso. Me dei conta de que depois de três dias em que se pintaram todas as telas do passado e do presente da LIJ, ficou nos faltando falar sobre o futuro. Justo o futuro que nos promete tantas mudanças e inovações. Mas acho que estamos no caminho certo enquanto continuarmos fazendo esforços para ouvir-nos uns aos outros, conhecer-nos e assim seguir incrementando as iniciativas de fomento à leitura. Nisso o CILELIJ primou. Espero ansiosamente pela próxima edição.

Essa crônica terminou no parágrafo aí de cima, com o encerramento abrupto do CILELIJ. Este parágrafo aqui serve apenas para aproveitar o restinho da página com um assunto absolutamente pessoal. O CILELIJ significou muito mais que uma experiência profissional. É certo que a tragédia que sentimos, vivemos e assistimos ficou para sempre gravada na memória. Mas dizem por aí que é nos momentos de maior tensão que o ser humano se despoja de todas as máscaras e mostra realmente ao que veio. O que ficará para sempre guardado comigo é o valor e a coragem dos Chilenos, que apesar de estarem lidando com tamanha tragédia, ainda encontravam dentro de si palavras de consolo e tranquilização para nós, estrangeiros. Fomos ainda mais acolhidos e bem-cuidados depois do terremoto. Não há como esquecer, jamais, o profissionalismo de todos os envolvidos com a organização do congresso, a presença segura e constante de Sérgio T. (que certamente descobriu o segredo da clonagem perfeita porque estava sempre em todas as partes) e a amabilidade infinita de todas as “mãos invisíveis”. Dizer obrigada não é o bastante.

Vi também que em momentos de crise os laços se estreitam mais rápido e mais forte. Depois de encerrado o congresso, tive a oportunidade de aprofundar o contato com pessoas que conheci durante os eventos e de conhecer outras pessoas, que provavelmente não teria conhecido se a situação fosse distinta. De meus queridos novos amigos de Guatemala, Peru, Paraguai, Chile e dos muito mais que queridos amigos Mexicanos, fica a recordação de momentos muito especiais e a esperança de uma amizade para sempre.

2 comentários:

  1. Puxa vida, um ano que parece foi ontem... Alem da experiencia do CILELIJ, uma das coisas boas, mesmo, foi te-los como amigos.

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  2. Alias, dois anos!!! passa o tempo, passa a vida...

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