quarta-feira, 31 de março de 2010

Caça ao tesouro

Não sabia bem o que eu queria escrever hoje, nem se queria escrever, mas descobri a resposta nos livros. A Lulu e eu estamos quase acabando A Flor do Cerrado por isso ontem comecei a procurar nas prateleiras algumas opções para começar a ler com ela em seguida. A Luísa me viu sentada no chão do escritório, olhando livro por livro, e rapidamente se sentou também. Começou a sugerir um ou outro título que ela conhecia e gostava e ouviu com atenção o que eu dizia sobre títulos que ela ainda não conhecia.

Esse processo de seleção conjunta foi tão legal! Sem querer fui trabalhando com ela a antecipação pela leitura (tá certa essa concordância?) Ficamos um tempão rememorando histórias conhecidas, rindo juntas e escolhendo o que deveríamos levar para o quarto dela para colocar na estante pequena que fica ao lado da cama. Todo o processo foi trazendo à tona curiosidades e questionamentos em relação às histórias. Nos perguntávamos se determinado livro era bom mesmo, se era apropriado para a idade dela, se era de riso ou de aventura, se combinava de verdade com o gosto dela. A gente não se dá conta de como isso é importante às vezes: mostrar para esses pequenos leitores o quanto eles já sabem a respeito dos livros e como é interessante essa aventura de buscar uma nova leitura.

Sinto que visitar uma livraria ou biblioteca têm efeito muito semelhante. É uma delícia percorrer corredores cheios de estantes e possibilidades. A única diferença é que todos (ou quase todos) os livros daqui de casa eu conheço bem. Numa biblioteca ou livraria as opções parecem ser infinitas e a escolha é quase uma caça ao tesouro: qual será o livro que mais me satisfará? É interessante também observar que o livro que escolhemos hoje, talvez não seja o livro que escolheremos na semana que vem. Gostos e vontades mudam dia a dia. É bom poder prestar atenção nessas vontades. Acho que por isso é tão importante dar aos alunos: primeiro, momentos diários de leitura livre e segundo, o poder de escolher entre gêneros e estilos. Mas falo (escrevo?) mais sobre isso outro dia.

Acabamos levando para o quarto uns dez livros diferentes e ainda não sabemos qual será o próximo a ser lido porque assim é mais gostoso.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Preconceito

Ontem não teve leitura - teve amiga que passou a tarde em casa. E à noite o Papai estava por aqui para ler mais Asterix. Que por sinal eles já leram mais de uma vez, ou talvez até mais de duas.

Mas na noite anterior a Lulu escolheu uma historinha linda pra gente ler antes dela ir dormir. Assim como o Asterix, a gente já tinha lido esse livro juntas mais de uma vez, mas existe algo sobre a familiaridade com uma história que faz com que a gente desfrute do mesmo livro em diversas releituras. Pelo menos comigo é assim. Tem livro que eu já li cinco ou seis vezes e apesar dos vários títulos ainda inexplorados nas minhas estantes, tem dia que eu estou com vontade de ler "aquilo". E é uma delícia ter aquilo que eu quero bem ali ao meu alcance.

Pois bem, anteontem a Luísa puxou um livro da Claudia Fries chamado Um Porco Vem Morar Aqui! (A Pig is Moving In) É a historia de um porquinho que se muda para um edificio e seus vizinhos não vem a sua mudança com bons olhos. Eles acham que o porco é muito sujo e desordeiro quando na verdade ele é todo o contrário. Logo de cara eu comentei:
-Que preconceito...
E ao longo da história essa foi a palavra que a Luísa mais repetiu, preconceito, preconceito, preconceito. Para tudo que os outros bichos-vizinhos faziam ou diziam ela comentava:
-Que preconceito...
Achei engraçado essa apropriação de uma palavra que ela com certeza já conhecia, mas nunca tinha realmente 'usado'. A repetição parecia um ensaio, uma tentativa de usar a palavra, o conceito, da maneira correta, no lugar certo.

Quando eu dava aula para crianças que estavam aprendendo inglês, era fácil reconhecer o momento em que elas 'aprendiam' realmente um novo vocábulo, uma nova frase. De repente aquela frase aparecia em tudo quanto era lugar! Assim como é quando crianças são pequenas e estão aprendendo novas palavras todo dia. A repetição é a prática, o 'treino', e a aplicação ao mesmo tempo.

Mas mais bonitinho de tudo foi a conclusão da história. Quando terminamos de ler, fui para o meu quarto e a Luísa foi deitar. Dali a alguns minutos ela entrou no meu quarto e disse:
- Acho que a gente é que não deveria ir morar naquele edifício dos bichos porque a gente é muito baguncento!
Acho que ela conseguiu mesmo fazer uma relação com a história...

quinta-feira, 25 de março de 2010

Navegando em histórias

Ontem foi um dia cheio de momentos literários. Fomos devolver os livros na biblioteca ao mesmo tempo que a Tânia Piacentini, fundadora da Barca dos Livros, me ligava para convidar para uma saída da barca. Foi um convite inesperado, mas apesar do tempo chuvoso resolvemos aceitar.

Quando entramos na biblioteca a Luísa deu de cara com uma amiga da escola. Eu tinha planejado escolher uns livros gostosos para ler para a Lulu lá mesmo, mas quando ela encontrou com a amiga, tive que mudar meus planos. Fiquei só na vontade de ler prá ela, mas tudo bem. Foi muito gostoso observar, de longe, as duas compartilhando livros. Primeiro tentaram um da série da Pippi Meialonga, de Astrid Lindgren, porque é o livro que a professora está lendo para elas na sala de aula. Não canso de me impressionar com o poder que a leitura em sala de aula tem. Parece que professor é um deus e que qualquer coisa que mostra para os alunos, com entusiasmo, vira objeto sagrado. Eu já tinha lido a Pippi com a Luísa, mas é claro que agora esses livros assumiram outra dimensão.

Depois de trocar para um livro do Ônibus Mágico, da Joanna Cole, porque o livro da Pippi afinal ainda é um pouquinho difícil para leitura independente de uma criança de sete anos, chegou a hora de embarcar. O grupo de tripulantes até que era grande e foi formado às pressas para uma filmagem que um pessoal do Rio de Janeiro estava fazendo. A escola que seria filmada cancelou na última hora por causa da chuva. Foi assim que tivemos a oportunidade de desfrutar do passeio e da contação de histórias.

O espetáculo Frutacontos, do grupo Pé de Histórias, foi lindo! Parados no meio da Lagoa da Conceição, ouvimos a contação de obras fantásticas como O Joelho Juvenal, do Ziraldo, Maneco Caneco Chapéu de Funil do Luís Camargo e o Monstro Peludo, da Henriette Bichonnier. Como sempre, acho que eu desfrutei de tudo ainda mais que as crianças.

Ontem foi minha vez de ouvir. Em vez de ler para a Luísa, tive o prazer de virar a ouvinte. Fiquei pensando em como era gostoso só prestar atenção. Ao mesmo tempo, me deu vontade de procurar os outros livros do Luís Camargo, Panela de Arroz, Bule de Café, para conhecer. Senti na pele que essa empreitada de ler (ou contar histórias) para alguém vale mesmo a pena. Dá uma cosquinha, uma vontadinha de ler mais ainda. Tudo de bom.

P.S. Rolou mais uma historinha antes de dormir porque o Felipe tinha saído para jantar, mas sobre ela eu falo amanhã.

Sociedade Amantes da Leitura - Biblioteca Barca dos Livros
http://www.amantesdaleitura.org/novo/index.php

terça-feira, 23 de março de 2010

Mais uma tarde de muitos capítulos

A Luisa e eu conseguimos ler mais quatro capítulos do livro.  Ontem ela não teve aula de karate e por isso chegamos mais cedo em casa.  Depois de terminar todos os "afazeres" a gente sentou no pufe e leu mais um bocado.  Super bom!

Eu com certeza estou curtindo o livro muito mais do que ela, mas imagino que isso seja porque eu consigo fazer uma relação muito mais próxima com a história.  Brasília é minha.  Já tinha lido o livro antes e conheço bastante a história da cidade, mas mesmo assim há vários detalhes dos quais eu não me lembrava.  É muito gostoso redescobri-los. 

A Luísa está gostando do lado da aventura, das partes mais "emocionantes" do livro.  Ela adorou, por exemplo, a parte em que a Ana Miranda conta que o JK resolveu ir inspecionar o começo das obras e aterrissou num descampado onde só se chegava de jipe.  Mas é interessante observar como ela busca fazer relações com a história.  Já havíamos percebido uma foto onde o JK aparece em frente de uma cruz, deixada pela expedição Cruls no lugar que eles haviam decidido ser o "ideal" para a construção da nova capital, lá em 1892.  Mais adiante, no capítulo que fala sobre o projeto da cidade, o Lúcio Costa explica que "quando alguém chega a um lugar e quer tomar posse desse lugar faz uma cruz."  Com mais uns rabiscos, a cruz estilizada do Lúcio Costa virou um avião.  A Luísa olhou para fora da janela pensativa e disse:
- Não sei se é impressão minha, mas aquilo ali no prédio (ao lado de nossa casa) parece uma cruz. 

Era realmente o reflexo da luminária da rua que, por causa do revestimento de azulejos do prédio, tinha formado uma cruz.  Adorei a "livre associação" e a vontade de mostrar alguma coisa parecida/relacionada com o que estávamos lendo.  Mostra que ela estava prestando atenção - no mínimo. 

Acho que depois vou ler com ela Nas Ruas do Brás.  Como ela é paulistana, talvez curta ainda mais.

sábado, 20 de março de 2010

Um tempão para ler

O Jim Trelease, autor de The Read Aloud Handbook (Manual de Leitura em Voz Alta), diz em seu livro que não se deve arrumar desculpas para não ler para os filhos. Ele argumenta que se realmente não houvesse tempo algum para se ler com os filhos então as redes de tv a cabo estariam falidas e os shoppings estariam vazios. Acho que o ponto que ele tenta fazer é que ler para os filhos, apesar de ser visto como algo importante a se fazer, não é prioridade e por isso as pessoas sempre arrumam desculpas para se justificar por não fazê-lo. Não estou em desacordo, mas devo dizer que às vezes a falta de tempo atrapalha sim. E vou explicar isso descrevendo o que acontece quando se tem tempo de sobra.


Ontem, sexta-feira, a Luísa não foi à aula. Ela voltou da escola com muita dor de cabeça na quinta e como eles tinham um passeio para o circo (???) marcado para ontem, resolvi que era melhor ela ficar em casa descansando. Foi uma ótima decisão porque ela dormiu mais de doze horas seguidas e apesar de acordar bastante congestionada, estava totalmente descansada e sem dor de cabeça. Durante a manhã, enquanto eu fazia minhas coisas pela casa, ela brincou, leu, estudou violino, fez a tarefa do dia anterior, se ocupou. Mas logo depois do almoço ela pediu para assistir televisão e eu então propus que lêssemos um pouco antes disso. Foi uma delícia! Ficamos mais de uma hora, juntinhas, lendo no pufe. Porque ela já tinha feito todas as "obrigações", a tarde estava totalmente livre e nós soubemos aproveitar bastante. Lemos cinco ou seis capítulos do livro e foi muito, muito bacana porque parece que pudemos finalmente "entrar" na história. Foi uma experiência realmente diferente.

Eu SEI que ler diariamente é importantíssimo e sei que dez ou quinze minutos ao dia já fazem a maior diferença. Mas a verdade é que quando uma pessoa pode se abandonar à história, sem ter que se preocupar com a próxima atividade marcada ou com a hora de dormir, a experiência é outra. O Daniel Pennac, autor de Como um Romance, diz uma coisa muito linda, na qual eu tenho pensado bastante:

"Ele é, desde o começo, o bom leitor que continuará a ser se os adultos que o circundam alimentarem seu entusiasmo em lugar de pôr à prova sua competência, estimularem seu desejo de aprender, antes de lhe impor o dever de recitar, acompanharem seus esforços, sem se contentar de esperar na virada, consentirem em perder noites, em lugar de procurar ganhar tempo, fizerem vibrar o presente, sem brandir a ameaça do futuro, se recusarem a transformar em obrigação aquilo que era prazer, entretendo esse prazer até que ele se faça um dever, fundindo esse dever na gratuidade de toda aprendizagem cultural, e fazendo com que encontrem eles mesmos o prazer nessa gratuidade."


Este blog nasceu do desejo de documentar as experiências de leitura compartilhada com meus filhos. Tem me ajudado a buscar uma constância nesse meu esforço de apresentar a eles e dividir com eles a minha paixão pela leitura. Só não posso, no meu esforço por manter essa mesma constância, perder o sentido de que o importante realmente é que eles mesmos descubram a sua própria paixão.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Histórias de Família

Ontem lemos um capítulo do livro em que a Ana Miranda fala de sua família. Dá mais detalhes sobre seus pais, fala de como eles se conheceram, explica como ela enxergava o relacionamento dos dois com o seu olhar de criança. Também fala de seus avós, como eram, que faziam... lista ali suas memórias de família.

Da primeira vez que li o livro aprendi um bocado de coisas novas - não só sobre a história de Brasília, mas também sobre costumes e hábitos de vários lugares do Brasil na época. Achei interessante apontar algumas dessas coisas para a Luísa. Por exemplo, o fato da mãe da Ana Miranda usar calças compridas, coisa que era um escândalo no Ceará de então (segundo a autora). Mas como minha filha SEMPRE me surpreende, ela nem se abalou. Eu achando a informação um barato, pensei que o tema fosse interessá-la, principalmente porque a Luísa mesma não cabe em nenhum rótulo de "menininha" contemporânea: não gosta de rosa, não gosta de vestido, não gosta de saia e não gosta de sandalinhas bonitinhas. Mas ela nem tchum prá isso.

O que chamou a atenção da Luísa foi a maneira como a Ana descreveu a relação dos pais.
"Papai era apaixonado por mamãe, a vida inteira ele levou para ela café-da-manhã na cama, fazia tudo querendo agradá-la."
A Luísa comentou:
"Nossa, você iria adorar se o papai também fosse assim com você, né?"

Análises Freudianas à parte, achei interessantíssimo observar que nem sempre a gente acerta no que vai chamar a atenção das crianças. Por MELHOR que a gente as conheça. Acho que não tem só a ver com diferenças geracionais, mas tem muito a ver com o momento de cada um na hora da leitura. Por isso é tão bacana ler o mesmo livro mais de uma vez - cada leitura é uma nova leitura. Cada momento traz uma nova interpretação, uma nova relação com o texto. Bom prá professor lembrar disso sempre...

terça-feira, 16 de março de 2010

O Retorno

Depois de um longo e tenebroso inverno... ontem voltei a ler com a Luísa.  A viagem ao Chile realmente me consumiu - antes, durante e depois.  E levei esse tempo todo para retomar a rotina, pisar de novo com força no chão.  Mas aí está, voltamos a ler juntas e que delícia!  Escolhemos um livro da Ana Miranda sobre a construção de Brasília.  Tá bem, tá bem, foi mesmo sugestão minha.  Mas de repente me deu vontade de compartilhar um pouco da minha história com a minha filha.  Brasília é tão parte de mim e a Lulu conhece tão pouco...

Assim que começamos a ler o livro da coleção Memória e História da Companhia das Letrinhas chamado Flor do Cerrado: Brasília.  Eu adoro essa coleção - todos os títulos são fantásticos e depois de tanto Dom Quixote (que por sinal ficou abandonado pela metade) achei legal ler um texto de não-ficção.  É muito gostoso ler não-ficção, mas também é um esforço.  Tenho certeza que isso é invencionice minha, mas me dá a sensação de que com um texto de não ficção eu não devo exagerar tanto na entonação, nas falas e vozes.  Parece que não fica autentico e no entanto, por que não ficaria?  Talvez eu tenha tido a sensação de ter que ler com mais 'sobriedade' (por falta de palavra melhor) porque esse primeiro capítulo é super descritivo, fala bastante da vida e dos lugares de Fortaleza onde a Ana vivia.  Porque eu já li essa história antes, não vejo a hora de entrar na parte em que eles se mudam definitivamente para Brasília.

O primeiro capítulo já chegou arrebentando, falando sobre mudanças e separações de pessoas queridas.  A Ana Miranda teve que sair novinha do Ceará porque seu pai foi trabalhar na construção da nova capital.  A maior tristeza dela era deixar para trás a babá e a avó.  A Lulu não falou nada, mas senti ela se achegar mais na cama.  Quando viemos para Florianópolis ela também teve que se despedir de muitas pessoas amadas e deixar lá em São Paulo a abuelita querida.  Sem mencionar a babá, Manuela, da qual ela já tinha se despedido alguns meses antes.  Tenho certeza que o livro fez com que ela pensasse nas duas, se lembrasse mesmo que só por um instantinho.  Não que ela precise de incentivo para se lembrar de quem ela gosta, mas que aconteceu, isso aconteceu.

E não é isso o que faz um livro?  Não é isso o que nós leitores fazemos, numa busca incessante pela compreensão?  Fazemos relações, conexões.  Buscamos em nosso conhecimento e em nossas vivências, experiências que nos ajudem a compreender, num sentido muuuuuuito amplo do termo, o que estamos lendo.  Esses 'flashes' de entendimento, esses momentos de relação com o texto são quase mágicos.  É como se nos descobríssemos lá dentro do livro, escondidos entre as palavras.  Tudo de bom.

PS - Dom Quixote anda meio largado, mas isso não quer dizer que o abandonamos de vez!  Logo, logo ele volta às paradas de sucesso.  Acho que ler é assim mesmo - a gente tem que ler aquilo que tem vontade na hora.  Eu pelo menos leio duas, três coisas diferentes ao mesmo tempo.  Assim é mais divertido!