sexta-feira, 14 de maio de 2010

Para quem sabe ouvir o outro

Estava agora de manhã pensando numa coisa que aconteceu ontem e que eu acho que vale a pena contar aqui.  Ontem teve feira do livro lá na escola da Luísa e ela e as amigas juntaram os dinheirinhos que tinham na mochila para comprar um livro sobre animais do fundo do mar.  Ela estava empolgadíssima com o livro e com o arranjo que ela tinha feito com as amigas.  Combinaram de levar o resto das mesadas hoje para comprar os outros dois títulos da coleção que traz ilustrações em 3D.  Cada uma fica com um dos livros em casa e a cada quanto elas vão trocando - assim têm a possibilidade de curtir toda a coleção.  As três pensaram em todos os detalhes.

A Luísa foi contemplada com o livro que elas compraram em conjunto ontem e por isso vinha no carro louca para chegar em casa e tirar o livro da mochila.  Falava sem parar do livro e contava as coisas que já tinha lido lá.  "Sabe que o tubarão fica se mexendo sem parar porque isso ajuda ele a respirar?"  Eu sorria e escutava.  Estava achando a história toda uma belezura.

Chegamos em casa.  E o que foi que eu fiz?  Sentei na frente do computador, liguei a máquina, puxei minha agenda e comecei a olhar emails e fazer telefonemas.  Estamos de mudança e eu tinha uma lista de coisas para fazer, mas isso não é desculpa!  A Luísa estava lá, louquinha para me mostrar o livro, louquinha para ler comigo e eu?  Ignorei solenemente o desejo dela.  Agora ela está lá na escola e eu aqui, de novo sentada na frente do computador, morrendo de culpa e de vontade de poder voltar o tempo.

Em inglês existe um termo que educadores usam quando aparecem situações de ensino não-planejadas, mas que são perfeitas para se explorar algum conceito.  São os "teachable moments" que só quem é sensível aos desejos dos alunos consegue enxergar e aproveitar.  Um dos maiores elogios que já recebi de uma diretora foi por saber explorar esses "teachable moments" na minha sala de aula.  Então como é que eu pude ser tão obtusa a ponto de não enxergar esse momento especial que a Luísa me oferecia ontem?  Ai, ai, mais um episódio para o livro dos traumas.  

Ainda bem que essa história tem final feliz.  Quem veio salvar a pátria, sentado num cavalo branco, foi o Felipe.  Depois de desistir da mãe que só sabe ficar na frente do computador e mandar tomar banho, estudar violino e fazer tarefa, a Lulu apelou para o pai.  E ele foi todo ouvidos, atenções e carinhos.  Ainda bem!  É claro que eles se sentaram juntos para ler os mistérios do fundo do mar.  Ela foi dormir feliz, tenho certeza.

Também tenho certeza de que quando a Lulu for grande, as lembranças de leitura mais marcantes dela vão ser dos momentos que dividiu com o pai.  Eles dois têm um entendimento quando lêem juntos que é uma maravilha de se observar.  Entram juntos dentro dos livros e ficam lá, perdidos, fora do mundo.  Às vezes dá uma pontinha de inveja, mas eu fico mesmo é muito feliz de ver essa conexão.  

Toda criança merece ter uma conexão assim na vida.  Com pai, mãe, vô, vó, tio, tia, irmão, qualquer um!  Nunca vou me esquecer do meu irmão mais velho, o Tonzé, lendo enciclopédias de animais para os nossos irmãos que são dez anos mais novos.  Eles ficavam horas e horas e horas olhando as figuras e falando sobre os animais.  Era quase um ritual.  O Tonzé chegava em casa na hora do almoço e os meninos puxavam a enciclopédia.  Momentos mágicos.  Inesquecíveis.

2 comentários:

  1. Que lindo!!! amei esse post... como diz o Lenine, "a vida é tão rara... a vida não para, não"

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  2. Querida Sil... Acho que já posso tratar assim... O que dizer? Texto EMOCIONANTE acima de tudo, mas também CORAJOSO por expor um tuchê que a vida vez em quando nos dá. Que bom vez em quando poder contar com o príncipe no cavalo branco... Mas esteja certa, a pequena herdeira do trono carrega paixão pra dar e vender para o príncipe, para o "mano" e para a rainha-mãe. Se algum dia apareceu um controle por aí, ele foi jogado fora há muito tempo. Obrigado por compartilhar. O texto e os dias maravilhosos em Floripa. Espero por vocês aqui em breve. Beijundas e abraços musicais.

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