segunda-feira, 19 de abril de 2010

Acho que sem título mesmo ou Algumas Reflexões

Há dias que não leio com ninguém aqui de casa a não ser comigo mesma.  Bom, teve umas vezes que meu marido leu ao meu lado, principalmente antes de dormir, mas ficou ele com seu livro e eu com o meu.  Acho que não dá prá qualificar isso de leitura compartilhada.

A questão é que chegou o fim de semana, a garotada foi visitar os amigos, fomos fazer uns passeios e eu me envolvi com uma tradução que estou amando fazer.  O fato é que a leitura ficou de escanteio.  Por que será que a gente faz isso?  Sempre que aparece alguma coisa que muda um pouco a rotina deixamos a leitura de lado.  Ou pelo menos deixamos o "ler com o outro" de lado.

Não acho que a leitura compartilhada deva ser uma obrigatoriedade - pelo contrário!  Acho que esses momentos devem ser aconchegantes, divertidos, tudo de mais gostoso.  Daqueles que a gente fica esperando o dia inteiro, desejando que cheguem logo.  Ao mesmo tempo sinto que ler requer um esforço - principalmente por parte do leitor.  Explico:

Há que se pensar um pouco para selecionar o que vai se ler para o outro.  Já contei aqui alguns momentos em que a leitura com meus filhos não funcionou porque o que tínhamos selecionado não era bacana - ou porque o tema não interessava ou porque a linguagem era tão difícil que não dava para acompanhar.  Por isso a gente deve ter um cuidado, um cuidadinho, na hora de escolher.  E também é por isso que a maioria das vezes eu leio para a Lulu livros que eu já conheço.  Assim fica mais fácil sentir o "humor" do dia e escolher o que combina mais naquela hora.

Também facilita na hora da leitura propriamente dita.  Não que a gente precise ensaiar antes, mas não conhecer o texto dificulta bastante a "oralização".  Tropeçar em palavras diferentes e sentenças compridas comprometem a fluidez da narração.  Além do mais, quando a gente já conhece a história sabe bem o que enfatizar, o que destacar de uma forma ou de outra.  Tudo prá ficar mais gostoso.

Por último queria dizer que ler para alguém é uma troca.  O leitor tem que estar com o coração aberto para ela.  Quando a gente lê para alguém coloca um pouco (ou um muito?) de si na leitura. Talvez nem sempre estejamos preparados para isso.  Mas não tenho isso muito claro - aceito opiniões.

Li um texto do Francisco Marques, o Chico dos Bonecos, no fim de semana no qual uma professora falava de suas memórias de aluna:  

"A grande lembrança da minha época de escola são os olhos da minha professora quando lia uma história para a turma.  Os seus olhos transitavam das páginas do livro para a turma, da turma para as páginas do livro, num passeio suave, quase um bailado.  Do livro para a turma, da turma para o livro, sem que a leitura sofresse qualquer tropeço.  Suave bailado, das páginas do livro para a turma, da turma para as páginas do livro...  E eu torcia para que os seus olhos de leitora esbarrassem nos meus olhos de ouvinte - e eles sempre esbarravam e até demoravam uns nos outros.  Cheguei a imaginar, na minha imaginação de menina, que a história também estava escrita nos nossos olhos."

Acho que é por aí.  O esforço consiste em saber ler a história nos olhos de quem escuta.  Psicanalistas de plantão podem fazer suas análises : )

E agora, depois de escrever tudo isso, percebo que o que eu estava sentindo não era culpa por não ter achado uns minutinhos para ler com meus filhos.  O que eu estava sentindo era saudade mesmo.

(mas ela já passou porque enquanto eu estava escrevendo isso aqui a Luísa me chamou para ler prá ela antes de dormir.  Aaaaai, que delícia!)


O texto do Chico dos Bonecos se chama Olhos de Ouvinte e está no livro Muitos dedos: enredos: um rio de palavras deságua num mar de brinquedos.
Editora Peirópolis, 2005.

Um super obrigada à Tania Piacentini que foi quem me apresentou ao texto.

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